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Sentir que estou só. Saber-me apenas na precária companhia de mim mesmo, quando o que quero é perder-me na inconsciência da multidão e sentir-me anónimo e vago. Livrar-me desta alma que me sobrecarrega e me vai mutilando aos poucos. Poder abandonar-me no fundo da rua e correr na direcção oposta; fugir de mim mesmo e recomeçar-me ciclicamente. Perder personalidade com o vento ou com as marés. Deixar que as raízes se destruam erosivamente e reconstruir-me na presença de outro eu. Conseguir guardar esta possibilidade numa caixa e guarda-la debaixo da cama para sempre que me apetecer deixar de ser eu. Fazer da palavra solidão apenas uma palavra ou então pinta-la de cores alegres para que também tu a possas utilizar com alegria. Ser-me um eu de mentira, vazio de tudo o que me é sentimental. Ser-me unicamente molecular: criar-me um adn sem emoções que me perturbam e humanizam. Ser um ser vivo apenas e apenas assim ser-me.
Não deixes que te digam que não podes. Reduz a insignificância do mundo a isso mesmo. Corre se assim tiver que ser, mas vai olhando para trás para ires crescendo à medida que te vais apercebendo daquilo que perdes. E no fim da viagem julga o teu sucesso (ou a falta dele) por tudo aquilo que tiveste que abdicar para o conseguir.
Já alguma vez sonhaste na segunda pessoa? Já alguma vez pensaste no egoísmo como uma forma de vida? Não me digas que também tu acreditas que a solidão é ultrapassável. Abstrai-te de uma realidade oferecida e imagina-te apenas na companhia de ti mesmo. Vais então dar-te conta de que afinal também isso não é tão mau como parece. De certeza que te vais agradecer a ti mesmo mais tarde por esse vazio. E depois dá-te conta que te vais ser sempre a tua mais fiel companhia. Não desdenhes de ti mesmo. Incontornavelmente acabarás a tua vida unicamente na tua presença. E aí então vai saber-te bem saber que não estás sozinho.
Constrói-me um corpo físico se isso te ajuda. Mas não te iludas porque quem acabamos (eu, tu e eles) por ver és tu e não eu. Eu, no entanto, fico contente pelo teu bom-gosto.
“é a parte de mim que mais gosto e é a parte de mim que eu abomino.*” BRANDÃO, Raul, in Húmus
*Narrador sobre o seu alter-ego
Se esta é a primeira de muitas vidas (mesmo que seja a segunda ou a terceira, não importa para o caso!), posso sorrir. Se este é o amanhecer, estou na presença de uma aurora feliz. Há gotas de orvalho e faz ainda frio lá/cá fora, mas tenho consciência de uma existência feliz. E é o medo da manhã que me fragiliza. O incómodo de um novo erguer de responsabilidades, de incertezas e do adeus de um tempo despreocupado, de voos possíveis porque protegidos. Espera-me a manhã e os primeiros raios de sol que teimam em avisar-me da sua breve chegada. Que se demore o dia um pouco mais.
PLAUDITE
Estamos sempre reverenciando o Tempo.
Estamos sempre em busca do Agora.
E sempre à beira do Novo.
Com agora. Novo milênio,
Novo milagre da aventura humana.
Já sabemos que a terra é azul
E já traçamos o mapa das células
Onde moram o riso e a dor.
Mas ainda não somos livres nem sábios o bastante.
E o céu ainda pode desabar sobre as nossas cabeças.
Desde que o fogo sagrado – a Vida – nos foi entregue,
Aprendemos esta arte de velar e desvelar máscaras
Para não sermos jamais expectadores passivos
Do Grande Espetáculo,
Mas arquitetos e demolidores de mitos,
Encenadores do nosso próprio destino,
Saltimbancos no vasto palco do planeta.
Cleise Mendes
Recomeçar. Reacender. Reavaliar fragmentos de existências incertas. Recordar e reafirmar a mim mesmo que também isto é bom, porque só nestes momentos me sei plenamente dentro desta tristeza.
Ainda não tive tempo de parar para me encontrar. Tenho de prometer a mim mesmo deixar de ser nómada e estabelecer um traço na linha cronológica. Marcar essa linha de cor forte e quente…