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Leitaria Garrett
segunda-feira, junho 21, 2004
  Cá para mim as flores mais não são do que a explosão feliz da angústia contida de um caule preso.
Chuva: descarregar de raiva e contentamento de uma nuvem, por se julgar tanto e tão pouco ao mesmo tempo.
(s.d. 1998-2000?)


Conheço uma alma contida que nem é alma. É a vergonha de um passado recente. É a angústia de prováveis anos de existência. É o sonho de um fim, o desejo de mudança, a inconformidade no próprio ser. O sofrimento constante, uma dor maior que todas. ETERNA. Presente no ser, no respirar.
Uma alma que permanece porque ainda não se vendem espelhos para almas. Uma identidade nunca adquirida. Um cartão apenas: amarelo, com uma assinatura e as linhas de um dedo.
(s.d. 1998-2000?)


Assumo-me como um perdedor e aceito esta minha nova condição de ser e estar.
(s.d. 1998-2000?)


Perguntei-Te uma vez qual a diferença entre o nosso Deus e O deles. Em qual deveria acreditar. E, no aconchego da lareira numa noite de Inverno, falaste-me uma vez mais com sabedoria e certeza. Abriste a Tua mente e o Teu coração. E, na tranquilidade e honestidade das Tuas palavras, novamente me perdi; me enchi de emoção e vivi.
Queria falar contigo. Queria que soubesses que acreditaria em Ti. Que a Tua palavra seria a minha e a dos que virão.
Queria recordar o passado. Queria saber porquê.
Queria, sim, ouvir-Te falar e aprender o mais possível.
Uma ampulheta a um sétimo do fim. Da viragem.
(s.d. 1998-2000?)


Hoje falo ainda com ELE. Com o nosso Deus. Com O que querias que acreditasse. Não sei se é ELE que me ouve. Se és TU.
(s.d. 1998-2000?)

e agora diz-me: nunca desejaste, uma só vez que fosse poder alterar todo o teu passado, dar um novo / verdadeiro rumo àquilo a que chamas de tua vida??
(s.d. 1998-2000?)

Olhei-me hoje no espelho e, numa aparição, deixei de me reconhecer, de saber a minha idade… Será que estou um degrau mais perto? De Ti?...
(s.d. 1998-2000?)

(R)
 
sábado, junho 19, 2004
  Acredito haver algures por aí um pedaço de ti guardado para mim. Desculpa, mas não me apetece procurar-te, por muito que eu próprio saiba o quanto encontrar-te me faria feliz. Vou antes esperar que um dia nos presenteie com um encontro. Até lá vou vivendo "disto", que é nada e tão pouco ao mesmo tempo.

Ps- Que me perdoe o "blog" por mais estas linhas incertas e confusas. A sorte dele é que também nada disto perturba a sua insignificante existência.
(R)
 
quinta-feira, junho 17, 2004
  "…Sufoco na carruagem, há sacos e cabazes, há uma massa de sono que escorre pelos corpos como um óleo, há um cheiro gordo que amolece tudo, me empasta as mãos e a boca. Quem sois vós? Onde se perde, se apaga, o fulgor único de serdes? Carne gorda, pesada, e eu só, vigiando ainda, iluminando ainda. Venho ao corredor, desço o vidro de uma janela. Um ar lavado escorre-me pela face, cerra-me os olhos numa profunda inspiração. Numa curva, um instante, olho o comboio açodado, que avança pela noite como uma urgência clandestina…"

"E eis que a pergunta obsidiante da velha solidão volta de novo e me afoga de pesadelo. Que haja terra e astros e ventos… Eu só, aqui à minha face. Fraternidade perdida, voz obscura e infatigável para ninguém… Pois para quê? Para quê esta voz tão forte de ser? Para que outra voz da comunidade me reinvente a harmonia com o mais, me responda realmente, me seja um eco, participe de mim e seja eu para lá da morte e me justifique e me recupere, me seja vida depois de eu a não ser, me invente imortal na minha absoluta e inexorável finitude?"

in Estrela Polar (1962), Vergílio Ferreira

 
  A morte iminente é substituída no sonho
pela partida, por uma viagem de caminho-de-ferro.

FREUD, S., Introduction à la Psychanalyse



Ao som dos carris, e com o embalar dos mesmos, contemplo a paisagem. As árvores, as nuvens, os montes,… tudo me parece igual. Do sol e da lua… desses nem se fala…
Viajo já há 18 dias e, com o cair da noite, a melancolia invade-me o corpo. O espírito segue-o. Começo a sentir falta do que passou. Da árvore que corria agora mesmo lá atrás. Não fomos confidentes; ela não me contou a sua história e eu não lhe contei as minhas. Passou (-me)…, pura e simplesmente…

Acredito no futuro. Naquilo que hei-de ver.

O vagão onde viajo é minúsculo. O lugar onde me sento… mais ainda. Já conheço de cor todos os que me acompanham. Sei o que comem, o que pensam, como dormem. Muitos saem; muitos ficam; alguns entram. Mas a maioria, essa, apenas passa, olha e segue em frente… Árvores no vagão 27…
Bancos com cheiro a verde usado.
Leio e penso: para quê? Para quê ler, aprender? Se a minha paragem pode ser já a próxima… um livro a dois capítulos do fim? Para quê, afinal?...
O comboio não pára. NUNCA. Mais árvores que passam e eu sem as conhecer. Vou imaginando um pouco delas… vivo de imaginar. Nada mais…
Ponte de Lima num Domingo de sol. E eu nem sequer vi…

(1998)

(R) 
  Decidi listar as coisas de que gosto em Lisboa. Para que, mais tarde, quem sabe, me lembre delas como as piores lembranças.
Lisboa afinal não cheira a mar… nem a coisa que se lhe pareça. Lisboa cheira a gente e a pó de estrada. Esquematizo:
- gosto da luz que reflectem os altos prédios e as velhas casas amarelas;
- gosto do chão da paragem do metro da Avenida (linha azul) porque brilha quando passo… como se alguém tivesse decidido alegrar aquele túnel, colando brilhantes de forma minuciosa no chão;
- gosto das paragens “Senhor Roubado” (no prolongamento da linha amarela até Odivelas) e “Voz do Operário” (já ali, em Alfama, quando se sobe no eléctrico 28);
- gosto de sentir que gosto de me sentir anónimo;
- gosto de afinal gostar de Lisboa;
- gosto de me sentar do lado direito dos autocarros da Vimeca e ver passar o aqueduto das águas livres pela manhã;
- gosto da magia do Bairro Alto quando já não é de dia. E gostaria de conhecer todas aquelas velhas casas por dentro. Talvez aí encontrasse a felicidade que procuro…
- gosto das possibilidades que a cidade me dá, ainda que as não aproveite;
- gosto do soar do metro quando se aproxima;
- gosto do eco que faz o ranger das escadas rolantes na estação de metro do Saldanha;
- gosto de ainda me sentir baralhado nas paragens da linha amarela;
- gosto do Parque Eduardo VII nas manhãs de Primavera;
- gosto do vento que se passeia por entre os edifícios altos das Amoreiras;
- gosto de deixar Lisboa, sabendo que tenho que voltar;
- gosto do Tejo quando aspira a mar;
- gosto ainda mais das escadas da Cinemateca quando sei que Lilith me espera lá em cima, no bar;
- gosto do elevador do nº 48 da Artilharia 1;
- gosto de uma rua estreita que começa na Baixa-Chiado e desagua no Tejo;
- gosto de me poder ser em Lisboa, onde ninguém me conhece como me mostro;
- gosto do Café di Roma do Saldanha e daquele bar em forma de eléctrico perto de Belém. Gosto, sobretudo, de saber que também aí me fui...
 
  Já antes te falei de como gosto de comboios, de como sempre orientei a minha vida segundo a luz da semiótica da vida deles. Creio que foi Freud que um dia me apontou a direcção que tomavam e o destino que seguiam… Tudo isto depois que A se viu obrigado a apanhar aquele último comboio no sentido sul e me disse adeus da janela do vagão-quarto nº 9-15-16. Até então, sempre me haviam passado despercebidos… Agora, com o passar do tempo, cada vez mais me interesso pela maneira como correm, o que sentem e como se organizam. (na mesa ao lado, no sentido em que se deslocam as ondas deste cigarro, fala-se de amor no pretérito perfeito…)  
  E se o nosso reencontro começasse com sirenes monotonamente silenciosas? Da armação redonda em cima poderiam cair cd’s do peso de penas e folhas pintadas de Outono. Também isso eu teria preparado para ti, S. Parece que já estou a ver como tudo sairia no final, no teu e no meu monitor de tv: o estridente e monótono som das sirenes silenciosas que, progressivamente, deixariam de se ouvir. Escolhi Radiohead como OST: não há alarmes e não há surpresas. Depois focava-te a cara aos poucos, num fade óptico muito lento. Acrescentava-lhe uma câmara lenta para que o teu andar sereno se duplicasse e te tornasses, finalmente, um ser superior palpável aos meus olhos. Depois eu: em rodopio feliz e eufórico, sem cessar, como se tivesse, por fim, conseguido parar o tempo… Do outro lado do ecrã saberiam que eu tinha atingido o estado supremo disso a que chamam de felicidade; tinha conseguido afinal destruir a barreira da estabilidade e do equilíbrio e… era feliz. Tu vinhas, S., e eu esperava-te em pulos que duravam a eternidade de uma câmara muito lenta. Os meus cabelos iam-se perdendo nas paredes do enquadramento e também os meus braços pareciam andar separados do resto do corpo… as sirenes continuavam. Tu vinhas. Há ainda essa hipótese: a de que venhas. Sem alarmes e sem surpresas. (R)
Radiohead - no surprises / OK Computer 
No Chiado, de tardinha, às vezes via-os passar sorridentes...de mão em mão...Dizia quem via:"São rapazes, bons portugueses!".Dona Ana passava também sempre à mesma hora,com os seus longos vestidos de tecido importado do Brasil...Carlos, o engraixador residente, com esse há-vontade que tem quem trabalha na rua,rodava o corpo enquanto Dona Ana passava e,do seu pequeno banco de madeira velha,gritava em suspiros, para que todos ouvissem,o mesmo de sempre:"Ai!, Madame!...Que até me causa indigestão!"

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